segunda-feira, março 08, 2010

Ó, DIVAS! QUO VADIS?...




Sou pouco de "dias", mas tendo ontem reparado que se comemoraria hoje o Dia Internacional da Mulher, pensei que seria este o dia mais indicado para deixar aqui um breve apontamento acerca da última obra da Difference - iPlay, DIVAS DO FADO, uma colectânea da parceria Nuno Lopes / Manuel Halpern, ambos jornalistas e estudiosos de Fado, igualmente responsáveis pela "maior obra de sempre reunida num só volume" (sic), a anterior colectânea, "comemorativa dos 150 anos de Fado", FADO SEMPRE!... De modo que, pensando valer a pena o incómodo e a despesa, lá me desloquei ao mais próximo estabelecimento onde adquiri o BOOK4CD, i. é., em português, o LIVRO4CD, expressão que não aparece traduzida, sendo embora bilingue a edição... Agora, não sei se fiz mal ou bem, porque não é agradável o que tenho a dizer, mas não posso deixar de o fazer, pese embora o muito apreço que tenho e espero continuar a ter pelo Nuno Lopes...
Comecemos por observar a contracapa deste DIVAS DO FADO - ali se começa por afirmar que a obra "tem o intuito de sublinhar a importância da mulher no Fado", o que, na minha sempre discutível opinião, nem me pareceria necessário, uma vez que é coisa tão evidente... há mesmo quem só goste de ouvir Fado no Feminino, perfilhando eu própria esse gosto, apenas excepcionando o Marceneiro, a quem chamaram, por algum bom motivo, "A Severa Masculina" e poucos mais; não quer isto dizer, já se vê, que não haja excelentes cantadores, DIVOS, até!, mas por qualquer inexplicável razão, as vozes de Fado acontecem, quase sempre, no Feminino... Ora, mesmo quando essas vozes acontecem, nem sempre alcançam aquele patamar que permita conceder-lhes o epíteto de DIVA, não pelo facto de ser um conceito exclusivo do belo canto e inadequado ao Fado (que, lá por isso, já foi até designado por "ópera do povo"), mas tão só pelo facto de essas cantadeiras, se bem que notáveis, não terem a respectiva e merecida Fama... Digamos, para além do jogo de palavras, é mesmo necessário que as DIVAS tenham VIDAS!...
Ora, atentando nos nomes, que vim logo a ler pelo caminho, inscritos na contracapa, alguns há que me são completamente desconhecidos e creio que, igualmente, à grande maioria do público português e estrangeiro... são fadistas que, na maior parte dos casos, não têm ainda a requerida projecção nem terão repertório próprio ou então, por qualquer obscuro motivo, são apresentadas a cantar repertório alheio, quando bem se sabe que, nesta particular questão "divesca", é basilar o repertório, ou o tema que a Diva criou e mais ninguém interpreta tão bem... isso, sim, começa a cimentar-lhes a VIDA de DIVA...
Adiante, e ainda e só a nível da traseira do livro (que acima se reproduz e pode ser ampliada, clicando em cima) não percebo porque é que a Tereza Tarouca se encontra no CD1 e porque é que a Patrícia Rodrigues e a Diamantina figuram no CD2 ?!... Quanto à escolha das cantadeiras consagradas, é coisa que nem questiono e que toda a gente sabe que tem sempre, antes da qualidade, imensos interesses em jogo, alguns comerciais, outros de vulgar comadrio/compadrio, fora todos os outros que aqui me escuso de enumerar...
É claro que, vendo eu que um dos fados com que se recorda a Argentina Santos é o "A Minha Pronúncia", fui logo à procura das autorias declaradas e tau! lá está o Alberto Rodrigues, como aparece no livrinho do MdF! De facto, neste caso nem tenho dúvidas de que esta letra é mesmo do Clemente José Pereira, que a escreveu para o repertório da Carolina Redondo, que tinha a pronúncia característica de Setúbal, donde era natural; a Argentina bem o sabe e pode confirmar, bem como outras cantadeiras antigas que disso ainda bem se lembram; que era do repertório da Argentina, foi daquelas invenções que correu por aí, mas que a letra já fosse também do Alberto... Há uma Canção do Sul, de 1936, salvo erro, onde se reproduz a letra e se indica, como era hábito na época, o autor e o repertório; sem dúvidas!... Dúvidas me deixou a indicação da autoria musical deste fado - "Fado Marceneiro"- é alguma nova designação?!...
Passei à Berta Cardoso. Pergunto -o José Pereira, autor do "Não vou contigo" é agora José Nunes Pereira!? e o Lopes Victor, autor do "Vida vazia" é agora José Francisco Victor?!...
Ainda de assinalar a declarada autoria - Guilherme Rosa - do "Amor sou tua", que mais correctamente deveria ser indicada - Guilherme Pereira da Rosa; de igual modo, a autoria do "Sou tua", será correctamente atribuída a Domingos Gonçalves Costa e não Domingos Costa, como se indica e pode ocasionar confusão com esse autor; a autoria do "Janelas enfeitadas" cometida a um tal Casimiro Miguel Ramos ?!... decidam-se!... é do Casimiro, pois então!; uma Maria Manuela (?) Cid, autora do "Passeio à Mouraria", um erro grosseiro, de falta de revisão, uma vez que o nome desta autora está correctamente indicado a nível doutro fado; um Armando Freire, que não sei se será o Armando Augusto Freire, no fado "Ser tudo ou nada"... Enfim, uma cabazadazinha...
Finalmente, no CD3, os fados interpretados pela Teresa S. Carvalho, estão indicados na ordem inversa, ao 07. corresponde o 08. e vice-versa ... Isto, do que vi e ouvi até agora... espero bem não encontrar mais incorrecções... É que fico mesmo chateada, pois fico! Por vários motivos; primeiro, pela falta de consideração que se mostra ter pela clientela e pelos próprios autores em referência na obra; segundo, porque adquiro estas obras com o objectivo de aprender alguma coisa com quem supostamente sabe mais do que eu e depois sinto-me enganada e, mais grave ainda, com a noção de que é mais uma obra a lançar a confusão, em vez clarificar...
Mesmo para terminar, é lamentável que o Centro de Documentação do Museu do Fado, a que se alude nas páginas finais, que possui uma "Base de Dados...sobre centenas de personalidades do universo do fado", não se encontre disponível online, possibilitando o acesso público a qualquer hora e de qualquer lugar, o que, isso sim!, seria excelente para a divulgação e concretização da Cultura Fadista que o mesmo é dizer da Cultura Portuguesa!... A mim, dava-me um jeitão!... Até mesmo porque não é todos os dias e é mesmo muito raro ter à mão "quem sabe mais de Fado do que todos nós juntos!"...

5 comentários:

Anton Garcia-Fernandez disse...

Amiga Ofélia:

Estou completamente de acordo com você no que diz neste post, mas vou falar especialmente dos pontos seguintes:

(1) Sublinhar a importância da mulher no fado? Isso não é mesmo necessário, mas o que sem dúvida não é certo é que se possa falar do papel da mulher no fado como um "fenómeno". A mulher no fado não é fenómeno nenhum: é simplesmente parte da essência do fado, pois as cantadeiras existem já desde os míticos tempos da Severa, personagem que alguns já chamaram de "mito fundacional" do fado. Então, onde é que está o fenómeno?

(2) Em realidade não existem as divas do fado: isso é uma invenção quer dos jornalistas quer do marketing, uma invenção que tem o objectivo de fazer promoção das suas gravações através da criação de uma imagem para a cantadeira. As grandes fadistas de sempre (Berta Cardoso, Lucília do Carmo, Ercília Costa, Maria Teresa de Noronha e muitas outras) foram cantadeiras que interpretaram com elegância um repertório próprio, e que não tiveram vida de divas. Portanto, chamá-las de divas supõe que estamos a falseiar a realidade.

(3) Tenho notado que muitas das colectâneas que se editam sobre o fado não estão feitas de jeito rigoroso e contêm muitas incorrecções que só podem ser explicadas por uma falta de trabalho de investigação. No fado, como em todo tipo de arte, é preciso acreditar a autoria dos poemas e das músicas, já que é um trabalho artístico sem o qual o fado não existiria. Por isso, acho que a documentação é muito importante, mas aliás, fazer um bom trabalho de documentação não é fácil, leva muito tempo e requer muito esforço. Eu também fico chateado quando encontro incorrecções nas notas dos discos (e também, claro, quando não encontro notas nenhumas) porque, para além de sentir-me enganado, acho que é uma falta de respeito aos artistas e mesmo à história do fado, que deve escrever-se com tanto rigor como seja possível. Por exemplo, a colectânea francesa Fado: Lisboa-Coimbra, que contém velhas gravações das décadas de 20 e 30, tem muitíssimas incorrecções, mas posso dizer que, em certo jeito, são mais compreensíveis, por tratar-se duma edição estrangeira, que as incorrecções que aparecem numa colectânea editada em Portugal.

Beijinhos e obrigado por um artigo tão esclarecedor e bem argumentado. Embora tenha erros, acho que a colectânea ainda é interessante!

Antón.

MLeiria disse...

Meu caro Antón
Estamos de acordo em tudo, mesmo a nível da sua última afirmação; também acho que a colectânea tem interesse, mas, pelo que direi no próximo post, só mesmo para ouvir os 4CD's; o BOOK, é melhor não ler!...

Anónimo disse...

Mais uma vez se prova que o fado é um filão económico a "espremer". Na ânsia do oportunismo e do lucro fácil, fazem-se as coisas à pressa e depois dá nisto. Como se compreende que os ditos sr.s Nuno Lopes e Manuel Halpern , senhores "doutos" na matéria tenham deixado passar em flagrante tamanhas incorrecções? Ou os seus nomes figuram apenas na colectânea para chamariz dos mais incautos? É que agora por tudo e por nada lançam-se colectâneas como quem esfrega o nariz, numa manobra clara e muitas vezes despudorada de fazer dinheiro a qualquer custo, por vezes esquecendo-se que há gente culta e informada, muito atenta a estas coisas...

Fadista disse...

Meu caro Anónimo
Que o Fado seja, de há um tempo a esta parte, um "filão" a explorar, disso não tenho dúvidas; também não duvido de que muitos "intelectuais" que, dantes, enjeitavam o Fado, o tenham agora adoptado, considerando o "filão" que ele constitui... Isso nem seria mau para o Fado e consequentemente para a Cultura e Economia Portuguesas, se tudo fosse feito com a natural seriedade que deve presidir a todos os nossos actos. A ideia da obra, nem é má... o resultado é que não é dos melhores, para não dizer que é mesmo mau. Um livro como esse funciona, para muita gente, como um guia... é maldade, se não inconsciência, indicarmos mal o caminho seja a quem for, não é?!...

Portal do Fado disse...

Este artigo é elucidativo do problemadas autorias!

Esta questão sobre as autorias está acesa no Portal do Fado. Ver aqui: http://www.portaldofado.net/component/option,com_fireboard/func,view/id,3199/catid,12/

Como alguém disse e bem: O seu a seu dono!