domingo, junho 20, 2010

O FADO de SARAMAGO

Precisamente por ser este blogue dedicado ao Fado, não poderia evitar deixar aqui assinalada a presença de Saramago nesta Vida e a sua Partida, em qualquer altura temporana, se bem que em vetusta idade.
Saramago, que a si próprio se viu, sem nisso acreditar, como se apenas fora a projecção de 4 pontos luminosos, por certo iluminará agora os céus que habite, como iluminou com o seu génio as Letras portuguesas e, diria, mundiais, o que lhe valeu a atribuição de um Nobel da Literatura, assim se reconhecendo o seu enorme valor, enquanto escritor e, claro, pensador. É notável o percurso de vida deste Homem, nado e criado até à adolescência na mais profunda ruralidade onde imperava a escassez de todos os meios, excepto o mais valioso, o do Pensamento de cujo paradigma, por ele próprio indicado - seu avô, o homem mais sábio que jamais conheceu, terá seguido o trilho, porém a seu modo. Dir-me-ão que não é do mais puro Fado que um ente tão pobremente nascido e criado, transfigurado de operário em intelectual, como quem estala os dedos em golpe de magia, tenha conseguido chegar, e por mérito próprio, ao cimo da mais alta montanha?! Dir-me-ão que isto não é Destino, não é Fado?!... Para mim, é-o tanto mais claramente que lhe foi dado cumpri-lo em Portugal, terra de lavoura dos mais preclaros espíritos, por onde também passaram um Padre António Vieira, Gil Vicente, Camões, Eça, Camilo, um Aquilino Ribeiro... e nenhum deles terá levado melhores memórias de seus contemporâneos e governantes das que agora carrega Saramago, a quem o mais alto representante da Nação (fazendo de conta que não o é) nega, com a sua ausência, o preito que em si e por si, Presidente, a Nação lhe deveria prestar... Felizmente que Saramago não está nem aí! está-se bem a ralar com isso, ora essa! mas que a nós, a todos que gostaríamos de nos vermos agora representados, nestas exéquias, por quem nos representa, assim representando a Nação, a nós custa-nos um bocado verificar que, afinal, entende o Sr. Presidente não ter este momento a necessária dignidade, que o leve a interromper as suas férias (?) para presidir aos funerais de um Homem que, mais do que da Família, é de Portugal, do país onde nasceu e que engrandeceu com a sua Arte, esse país de nautas, do qual já dolorosamente se apartara, de resto, por ter sido menos bem tratado por anacrónicos censores, mas país que nunca renegou e que escolheu para descanso das suas cinzas... ou de metade, ainda não se apurou bem... seja como for... será este seguidamente o Fado que Saramago tem a cumprir, mas que, tal como ele disse ao referir-se à publicação ou não de um seu romance inédito, já cá não estará, pouco lhe importará...
Quer queiram quer não, este Homem, que a mediocridade de alguns maltratou em vida e na morte, este português ribatejano Saramago, neto do Homem mais sábio que algum dia alguma vez conheceu, este escritor, que a Academia reconheceu e agraciou com o Nobel, ficará ainda na memória de todos, ombreando com os maiores, quando, dos que o desconsideraram, já nem memória de seu nome houver, que feitos foram nenhuns!...
Palmas para Saramago que tão bem cumpriu seu Fado.
***
Já depois de ter publicado este verbete, o amigo Fernando Baptista veio muito oportunamente lembrar que José Saramago está efectivamente representado no Fado; Mísia interpreta, no Fado Franklin, esta letra de José Saramago, disponibilizado neste belíssimo vídeo

E nem sequer é caso único... Igualmente de José Saramago, com música de António Vitorino de Almeida, Mísia tem no seu repertório um outro fado, o Fado Adivinha.

6 comentários:

Raul Nobre disse...

Não deixa de ser curioso o facto de tanto um como outro dos nossos dois (únicos) Prémios Nobel, não serem benquistos do poder constituído.
Egas Moniz também foi sempre hostilizado (e censurado) pelo salazarismo, devido à sua frontalidade e à intransigente defesa da liberdade de pensamento e de expressão.
Saramago não viu nenhum dos seus livros proibido porque não tiveram poder para tanto; mas a vontade não lhes faltou.
O ridículo (mas trágico) destas coisas chega a situações inacreditáveis. Um exemplo, foi o que se passou com um livro científico de Egas Moniz intitulado “A Vida Sexual”, que esteve proibido e só podia vender-se mediante receita médica!!!
Quanto à ausência de certos políticos nas exéquias de Saramago, só encontro uma expressão para classificar tal atitude: tacanhez de espírito.
( c.f. Houaiss, Dic Ling Port , C.L. 2002, s.v. “tacanho” – falto de clareza de ideias, de largueza de alma; estúpido; pessoa desprezível; velhaco; mesquinho )
E se me permite, querida amiga, deixo aqui a última quadra do fado “Os Lobos”, que o Artur Batalha costumava cantar, no Menor do Porto (desconheço o autor):

Nesta alcateia de lobos
a que chamam sociedade,
não há lugar para todos
nem p’ros que falam verdade

Anónimo disse...

Este não é o único fado que Mísia canta de Saramago, também Carlos do Carmo carta dois fados de autoria do Prémio Nobel.

MLeiria disse...

Essa do livro, mesmo contextualizando, é do mais divertido, Raul!... Obrigada por referir esse pitoresco episódio que poucos, por certo, conhecerão.
Qtº à quadra, parece-me que é do Aleixo, não?

MLeiria disse...

Anónimo
Já agora, importar-se-ía de referir esses fados?
Obrigada!

Fernando Batista disse...

um dos temas que o Carlos do Carmo gravou foi ( Aprendamos o rito )
O Marco Oliveira também incluiu na sua gravação ( Retrato do poeta quando jovem )ambos com a assinatura de José Saramago.
Quanto á quadra do Raul Nobre é de autor desconhecido . Gravado por muitos Fadistas ficou conhecido na voz de Tristão da Silva como ( Os lobos da serra ) embora no vinil ( LP ) esteja registado como ( Na hora da despedida ) . para fugir á censura ? fica a pergunta

MLeiria disse...

Recorrente esta questão das autorias... pois eu tenho o registo do fado "Os lobos da serra", interpretado pelo Artur Batalha, no Menor do Porto, em que se indica, como autor, P. Gonzalez!...
Obrigada pelas restantes informações, Fernando.