Precisamente por ser este blogue dedicado ao Fado, não poderia evitar deixar aqui assinalada a presença de Saramago nesta Vida e a sua Partida, em qualquer altura temporana, se bem que em vetusta idade.
Saramago, que a si próprio se viu, sem nisso acreditar, como se apenas fora a projecção de 4 pontos luminosos, por certo iluminará agora os céus que habite, como iluminou com o seu génio as Letras portuguesas e, diria, mundiais, o que lhe valeu a atribuição de um Nobel da Literatura, assim se reconhecendo o seu enorme valor, enquanto escritor e, claro, pensador. É notável o percurso de vida deste Homem, nado e criado até à adolescência na mais profunda ruralidade onde imperava a escassez de todos os meios, excepto o mais valioso, o do Pensamento de cujo paradigma, por ele próprio indicado - seu avô, o homem mais sábio que jamais conheceu, terá seguido o trilho, porém a seu modo. Dir-me-ão que não é do mais puro Fado que um ente tão pobremente nascido e criado, transfigurado de operário em intelectual, como quem estala os dedos em golpe de magia, tenha conseguido chegar, e por mérito próprio, ao cimo da mais alta montanha?! Dir-me-ão que isto não é Destino, não é Fado?!... Para mim, é-o tanto mais claramente que lhe foi dado cumpri-lo em Portugal, terra de lavoura dos mais preclaros espíritos, por onde também passaram um Padre António Vieira, Gil Vicente, Camões, Eça, Camilo, um Aquilino Ribeiro... e nenhum deles terá levado melhores memórias de seus contemporâneos e governantes das que agora carrega Saramago, a quem o mais alto representante da Nação (fazendo de conta que não o é) nega, com a sua ausência, o preito que em si e por si, Presidente, a Nação lhe deveria prestar... Felizmente que Saramago não está nem aí! está-se bem a ralar com isso, ora essa! mas que a nós, a todos que gostaríamos de nos vermos agora representados, nestas exéquias, por quem nos representa, assim representando a Nação, a nós custa-nos um bocado verificar que, afinal, entende o Sr. Presidente não ter este momento a necessária dignidade, que o leve a interromper as suas férias (?) para presidir aos funerais de um Homem que, mais do que da Família, é de Portugal, do país onde nasceu e que engrandeceu com a sua Arte, esse país de nautas, do qual já dolorosamente se apartara, de resto, por ter sido menos bem tratado por anacrónicos censores, mas país que nunca renegou e que escolheu para descanso das suas cinzas... ou de metade, ainda não se apurou bem... seja como for... será este seguidamente o Fado que Saramago tem a cumprir, mas que, tal como ele disse ao referir-se à publicação ou não de um seu romance inédito, já cá não estará, pouco lhe importará...
Quer queiram quer não, este Homem, que a mediocridade de alguns maltratou em vida e na morte, este português ribatejano Saramago, neto do Homem mais sábio que algum dia alguma vez conheceu, este escritor, que a Academia reconheceu e agraciou com o Nobel, ficará ainda na memória de todos, ombreando com os maiores, quando, dos que o desconsideraram, já nem memória de seu nome houver, que feitos foram nenhuns!...
Quer queiram quer não, este Homem, que a mediocridade de alguns maltratou em vida e na morte, este português ribatejano Saramago, neto do Homem mais sábio que algum dia alguma vez conheceu, este escritor, que a Academia reconheceu e agraciou com o Nobel, ficará ainda na memória de todos, ombreando com os maiores, quando, dos que o desconsideraram, já nem memória de seu nome houver, que feitos foram nenhuns!...
Palmas para Saramago que tão bem cumpriu seu Fado.
***
Já depois de ter publicado este verbete, o amigo Fernando Baptista veio muito oportunamente lembrar que José Saramago está efectivamente representado no Fado; Mísia interpreta, no Fado Franklin, esta letra de José Saramago, disponibilizado neste belíssimo vídeo
E nem sequer é caso único... Igualmente de José Saramago, com música de António Vitorino de Almeida, Mísia tem no seu repertório um outro fado, o Fado Adivinha.
6 comentários:
Não deixa de ser curioso o facto de tanto um como outro dos nossos dois (únicos) Prémios Nobel, não serem benquistos do poder constituído.
Egas Moniz também foi sempre hostilizado (e censurado) pelo salazarismo, devido à sua frontalidade e à intransigente defesa da liberdade de pensamento e de expressão.
Saramago não viu nenhum dos seus livros proibido porque não tiveram poder para tanto; mas a vontade não lhes faltou.
O ridículo (mas trágico) destas coisas chega a situações inacreditáveis. Um exemplo, foi o que se passou com um livro científico de Egas Moniz intitulado “A Vida Sexual”, que esteve proibido e só podia vender-se mediante receita médica!!!
Quanto à ausência de certos políticos nas exéquias de Saramago, só encontro uma expressão para classificar tal atitude: tacanhez de espírito.
( c.f. Houaiss, Dic Ling Port , C.L. 2002, s.v. “tacanho” – falto de clareza de ideias, de largueza de alma; estúpido; pessoa desprezível; velhaco; mesquinho )
E se me permite, querida amiga, deixo aqui a última quadra do fado “Os Lobos”, que o Artur Batalha costumava cantar, no Menor do Porto (desconheço o autor):
Nesta alcateia de lobos
a que chamam sociedade,
não há lugar para todos
nem p’ros que falam verdade
Este não é o único fado que Mísia canta de Saramago, também Carlos do Carmo carta dois fados de autoria do Prémio Nobel.
Essa do livro, mesmo contextualizando, é do mais divertido, Raul!... Obrigada por referir esse pitoresco episódio que poucos, por certo, conhecerão.
Qtº à quadra, parece-me que é do Aleixo, não?
Anónimo
Já agora, importar-se-ía de referir esses fados?
Obrigada!
um dos temas que o Carlos do Carmo gravou foi ( Aprendamos o rito )
O Marco Oliveira também incluiu na sua gravação ( Retrato do poeta quando jovem )ambos com a assinatura de José Saramago.
Quanto á quadra do Raul Nobre é de autor desconhecido . Gravado por muitos Fadistas ficou conhecido na voz de Tristão da Silva como ( Os lobos da serra ) embora no vinil ( LP ) esteja registado como ( Na hora da despedida ) . para fugir á censura ? fica a pergunta
Recorrente esta questão das autorias... pois eu tenho o registo do fado "Os lobos da serra", interpretado pelo Artur Batalha, no Menor do Porto, em que se indica, como autor, P. Gonzalez!...
Obrigada pelas restantes informações, Fernando.
Enviar um comentário