VÍDEO DE HOMENAGEM
Não te via há quase um mês / Chegaste e mais uma vez / Vinhas bem acompanhado / Sentaste-te à minha mesa / Como quem tem a certeza / Que somos caso arrumado // Ela não me queria ouvir / Mas tu pediste a sorrir / O nosso fado preferido / Fiz-te a vontade, cantei / E quando à mesa voltei / Ela já tinha saído // Não é a primeira vez / Que começamos a três / Eu vou cantar e depois / O nosso fado que eu canto / É sempre remédio santo / Acabamos só nós dois // Eu sei que tu vais voltar / P'ra de novo te livrar / De um caso sem solução / Vou cantar o nosso fado / Fica o teu caso arrumado / O nosso caso é que não.
Ana Moura interpreta, de Manuela de Freitas, no Pedro Rodrigues, este "Caso arrumado", cuja letra, tão curiosa quanto interessante, vale a pena aqui patentear, até mesmo porque reflecte, de certo modo, uma realidade tantas vezes vivida - a do "caso a três", remediado por um certo "nosso fado" que tem o poder de anular, sempre que necessário, o indesejado terceiro membro da relação e repôr o "nosso caso" a dois, eternamente arrumado... o reconhecimento e aceitação da infidelidade, sem dramatismos, a ajuda até na resolução desse deslize... isto é muito fadista! Lembra-me o "Fado Antigo", de Berta Cardoso, cuja letra, do Linhares, diz assim "...Eu ando cheia de ciúme / pelo meu bem que está ausente / É o rapaz mais valente / e também o mais infiel / Mas não me digam mal dele / Que eu não sou nenhuma santa..." Lindo! Quantas vezes ouvimos esta confissão?... Geralmente, os outros é que são infiéis!; nós, de santo/as, só nos falta o altar!...
Mas, o mais intrigante neste fado da Ana Moura é que, ao ouvi-lo, sempre me acorda a lembrança de um fado que ouvi na poderosa e inolvidável interpretação de Berta Cardoso e que, creio, pertence ao seu repertório, mas que apenas tenho na também superior versão de Fernanda Maria, "Candeia", de Frederico de Brito e J. Campos; oiçam lá, que vale a pena, embora o estado desta cópia não seja já dos melhores...
Não o via há tantos dias / Tinham dado avé Marias / Na capelinha da aldeia / Esperava por ele e não vinha / E como estava sozinha / Fui acender a candeia // Gemia o vento lá fora / Passa uma hora, outra hora / E ao romper da lua cheia / Ei-lo que vem meigo e doce / E fosse lá pelo que fosse / Tinha mais luz a candeia // Mil beijos, mil juramentos / E nesses loucos momentos / Toda a minha alma se enleia / Quis mostrar-me o amor seu / E jurou que era só meu / Pela luz daquela candeia // Mas vi-lhe a boca a tremer / Eu mesma não sei dizer / O que me veio à ideia / É que a verdade realça / Essa jura era tão falsa / Que se apagou a candeia.
E então?!... Se isto tem alguma coisa a ver!?... 'Tá bem, mas eu acho que sim, correcto? Há aqui umas associações fundamentais a que nem todos chegam, mas porém... é bom até, de vez em quando, dizer umas certas alarvidades... dá estatuto! Ah, pois é! A propósito, logo, lá te espero, na Procissão. Já sabes, se estiver com companhia, falamos depois... Claro, deixa lá... Isto, do Fado, é tramado, pá! Já estava aqui a lembrar-me doutro... os fados são como as cerejas Este ano estão um bocadito acres, p'ra meu gosto Não é isso... vêm uns atrás dos outros Ah, quem diria... como tu estás!... Eu, não é?! Ah, pois é!... :-)
6 comentários:
Verdadeiras preciosidades! Isto ouve-se com um aperto cá dentro.
Espero que as queridas vizinhas vão continuando a conversar de janela para janela. Eu, como sou muito coscuvilheiro (nem é verdade...), vou estar por aqui à escuta a dar fé do que vocês dizem.
Assim que vislumbrei o seu post, mal abri a persiana, pensei "Valha-me a Senhora da Saúde, que a vizinha endoideceu!". Depois percebi, mas mesmo assim...
Bem, coisinhas e loisinhas à parte, tenho um gato moribundo no meu quintal. Ai, nao era nada disto que queria dizer. Era sim que o Fado está pejadinho de historietas dessa espécie. Assim que comecei a ver onde quereria chegar com essa coisa do amor a três... eu, que acho que não sou nenhuma Santa (não sabia que adorava essa passagem do "Fado Antigo", é um delírio), lembrei-me logo de uns fadinhos que vão muito a propósito. Ele é "Mentira", ele é desilusão, ele é "Desengano", ele é "Noite de S. João" quando "Descalcei uma chinela / E ele que andava com ela / Virou-se e saiu comigo". Ou o "Meu Xaile", quando Hermínia Silva clama vitória ao cantar, após ter visto o seu rapaz entrar no baile, de braço dado a outra rapariga, "Com outra blusa nova e outro xaile / Saí do arraial p'lo braço dele". Isto, alguns meses depois, repare-se!
E, para terminar com o melhor, que é um fadinho que adoro, "Isso é com ele e com elas", também da minha grande Hermínia: "Se tens outras teu proveito / desconheço-as, nunca as vi / Não tenho tempo nem jeito / Para andar atrás de ti", e depois continua "Em tudo o que seja amor / Não pode haver preconceito / Se és só meu, tanto melhor / Se tens outras, teu proveito", seguindo, mais à frente, com "P'ra quê armar discussão / Se o teu amor me sorri? / Mesmo que eu saiba quem são / Desconheço-as, nunca as vi."
E quanto aos delírios no último parágrafo, ó vizinha ficam-lhe bem, mas veja lá se se orienta com as cerejas e a procissão. Não se apoquente com a companhia ao lado e com o vai não vai ou vai na volta.
Veja lá, Comadre...
Isso de dizer que "o nosso fado tem o poder de anular o indesejado terceiro membro da relação e repor o nosso caso a dois", por vezes não é bem assim. É certo que há ocasiões em que consegue pacificar as hostes, mas outras vezes há cada reboliço...que não há procissão que nos valha. E então se a madrugada vai alta, a coisa tende a complicar-se e termina tudo na rua a cantar o corrido.
Mudei o figurino para estar dentro do tom.
Muito bem, meus Amigos, melhores que o original!... O Raul a chegar-se ao campo da SãLoucura e a comadre completamente à vontade,a lidar, digamos, nos seus terrenos... O que nos vale é que temos por aí um doutor médico, se isto for de mal a pior; por mim, está mesmo nas raias...
Grande abraço a ambos
O.
Desculpe mais uma vez esta intromissão de comentários, mas... este espaço está a tornar-se quase um "vício" para mim!
Hoje passei e ouvi duas das "coisas" de fado que mais me preenchem: a música de Pedro Rodrigues e a voz que mais admiro, a Grande Fernanda Maria! São verdadeiros diamantes.
Esta associação de ideias lançada pelas letras destes fados, na minha modesta opinião, é legítima. E opino mais: estes desencontros no amor, esta quase fatalidade na partilha do ser amado tem produzido os fados mais lindos que conheço (Foi na Travessa da Palha... Não passes com ela à minha Rua... entre outros).
À sua pergunta "e o que é que isso tem a ver?" Tem tudo.
Obrigada
Um abraço
Esperança
Pois tem, Esperança, pois tem, mas apenas alguns se dão conta disso... claro que grande parte é frequentador deste espaço "viciante" (para mim tb)o que só nos fica bem :-) e muito lhe agradeço.
Obrigada pelas suas palavras.
Um abraço
O.
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