segunda-feira, março 28, 2011

"Luto nas guitarras" - JÚLIO PERES



Poderia dizer-se que neste fado, que Júlio Peres interpreta numa música de Joaquim Campos (Alexandrino), o tema denotava já a preocupação com duas presentes realidades - por um lado, a descaracterização da Mouraria, "berço do Fado", por outro, o que tem vindo a ser a tentativa de apagamento da sua história, da Tradição... Por isso o cantador, que decerto não é como "as fadistinhas de agora" que "chamam fados às cantigas", interpela os fadistas ("os verdadeiros", entenda-se) ao luto e à oração - o luto que é símbolo da tristeza que, contudo, sempre se suportará melhor se carregada pela fé e a esperança com que se reza para que, se "o que era não puder voltar a ser", ao menos que "o que for não desvirtue o que já foi"... e que, igualmente, se respeite a História, escrevendo-a com Verdade, porque nunca nada poderá envergonhar mais um Povo do que a mentira e a vergonha ou o desconhecimento do seu Passado.

É claro que a Velha Mouraria segue, como tudo e todos, a Lei da Vida e que nada seria menos razoável que pretender que fosse agora esse bairro como o foi antanho... mas claro que também me parece incontestável que melhor apreciará o que é agora quem melhor conhecer o que então foi. De resto, o que verdadeiramente aqui está em causa não é a questão do Progresso; é, sim, a fundamental questão, a da Alma "Tornaram-te burguesa / Mas roubaram-te a Alma"... Alma Fadista! Nobre e popular, avessa aos ditames da burguesia que a hostilizou...

E fico-me por aqui, não sem antes lembrar três nomes emblemáticos do Fado e da Mouraria - a lendária Severa, o Rei do Fado e a internacional Mariza que está voltando agora às raízes...

Desculpem! Tanta conversa, quando o que interessa mesmo é ouvir este fado nessa voz tão fadista de Júlio Peres:


Quem se recorda já dessa Rua dos Canos / Do Diogo das Iscas , perfumadas, quentinhas / Da Adega do Saloio, já morto há tantos anos / Da "pescada com todos", no velho Campaínhas? /

Vai-se indo a pouco e pouco a velha Mouraria / Ontem foi o Socorro, hoje a Rua da Palma / Já não há camareiras, nem sombras de rufias / Tornaram-te burguesa, mas roubaram-te a alma /

Mataram teu passado, a tua tradição / De bairro mais fadista esvai-se da memória / Não cheira a rosmaninho, está triste o Capelão / Vão rasgando aos poucos a tua velha história /

Fadistas, ponham luto, um fumo nas samarras / P'la morte da Mouraria, homenagem singela / Um crepe nas volutas de todas as guitarras / E depois, em silêncio, vão lá rezar por ela.

6 comentários:

Fernando B. disse...

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,Muda-se o ser, muda-se a confiança;Todo o mundo é composto de mudança...."
Yo lo llamaría añoranza (¿o saudade?), cosas de viejos.

Fernando B. disse...

En cualquier caso, me ha encantado.

Fadista disse...

Sendo assim... melhor!
"Tudo está bem quando acaba bem".

Roberto Peresio disse...

Sò para recordar...
A Rua dos Canos
aquì ainda està
http://www.flickr.com/photos/biblarte/5491158615/sizes/l/in/photostream/

peresio@hotmail.com

Anónimo disse...

Já agora, quem é o autor desta letra?

António Cruz disse...

O autor é Augusto Martins