Poderia dizer-se que neste fado, que Júlio Peres interpreta numa música de Joaquim Campos (Alexandrino), o tema denotava já a preocupação com duas presentes realidades - por um lado, a descaracterização da Mouraria, "berço do Fado", por outro, o que tem vindo a ser a tentativa de apagamento da sua história, da Tradição... Por isso o cantador, que decerto não é como "as fadistinhas de agora" que "chamam fados às cantigas", interpela os fadistas ("os verdadeiros", entenda-se) ao luto e à oração - o luto que é símbolo da tristeza que, contudo, sempre se suportará melhor se carregada pela fé e a esperança com que se reza para que, se "o que era não puder voltar a ser", ao menos que "o que for não desvirtue o que já foi"... e que, igualmente, se respeite a História, escrevendo-a com Verdade, porque nunca nada poderá envergonhar mais um Povo do que a mentira e a vergonha ou o desconhecimento do seu Passado.
É claro que a Velha Mouraria segue, como tudo e todos, a Lei da Vida e que nada seria menos razoável que pretender que fosse agora esse bairro como o foi antanho... mas claro que também me parece incontestável que melhor apreciará o que é agora quem melhor conhecer o que então foi. De resto, o que verdadeiramente aqui está em causa não é a questão do Progresso; é, sim, a fundamental questão, a da Alma "Tornaram-te burguesa / Mas roubaram-te a Alma"... Alma Fadista! Nobre e popular, avessa aos ditames da burguesia que a hostilizou...
E fico-me por aqui, não sem antes lembrar três nomes emblemáticos do Fado e da Mouraria - a lendária Severa, o Rei do Fado e a internacional Mariza que está voltando agora às raízes...
Desculpem! Tanta conversa, quando o que interessa mesmo é ouvir este fado nessa voz tão fadista de Júlio Peres:
Quem se recorda já dessa Rua dos Canos / Do Diogo das Iscas , perfumadas, quentinhas / Da Adega do Saloio, já morto há tantos anos / Da "pescada com todos", no velho Campaínhas? /
Vai-se indo a pouco e pouco a velha Mouraria / Ontem foi o Socorro, hoje a Rua da Palma / Já não há camareiras, nem sombras de rufias / Tornaram-te burguesa, mas roubaram-te a alma /
Mataram teu passado, a tua tradição / De bairro mais fadista esvai-se da memória / Não cheira a rosmaninho, está triste o Capelão / Vão rasgando aos poucos a tua velha história /
Fadistas, ponham luto, um fumo nas samarras / P'la morte da Mouraria, homenagem singela / Um crepe nas volutas de todas as guitarras / E depois, em silêncio, vão lá rezar por ela.
6 comentários:
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,Muda-se o ser, muda-se a confiança;Todo o mundo é composto de mudança...."
Yo lo llamaría añoranza (¿o saudade?), cosas de viejos.
En cualquier caso, me ha encantado.
Sendo assim... melhor!
"Tudo está bem quando acaba bem".
Sò para recordar...
A Rua dos Canos
aquì ainda està
http://www.flickr.com/photos/biblarte/5491158615/sizes/l/in/photostream/
peresio@hotmail.com
Já agora, quem é o autor desta letra?
O autor é Augusto Martins
Enviar um comentário